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Leituras que Aceleram a Alma: 'Zen and the Art of Motorcycle Maintenance'

  • Foto do escritor: José Caetano
    José Caetano
  • 30 de set.
  • 3 min de leitura

Há poucos dias, peguei a Rosie – minha fiel Triumph Bonneville T120 Black – e parti para uma roadtrip solitária pelas curvas da Serra do Mantiqueira, entre São Paulo e Minas Gerais. O asfalto úmido da primavera, o ronco baixo do motor bicilíndrico, e o vento cortante contra o couro da jaqueta: era uma daquelas viagens que não pedem destino grandioso, apenas a presença no momento. Enquanto esticava a perna numa parada improvisada, lembrei-me de Robert Pirsig e seu Zen and the Art of Motorcycle Maintenance. Não era só manutenção mecânica; era uma meditação em movimento, uma busca pela "Qualidade" que une o clássico ao romântico, o racional ao místico. 


Robert Pirsig e seu filho Cris
Robert Pirsig e seu filho Chris, em 1968 - William Morrow / Harper Collins

Imagine: você acelera pela rodovia, o horizonte se abrindo como uma promessa. Pirsig descreve sua própria road trip pelos Estados Unidos como uma odisseia filosófica, onde a manutenção da moto simboliza a harmonia entre razão analítica (o "clássico") e a apreciação estética (o "romântico"). Sua "Qualidade" é uma força elusiva, pré-intelectual, que impulsiona tudo – uma intuição que evita rótulos. 


Mas, na minha jornada com a Bonneville, pensei em Chesterton, esse gigante inglês que via aventura não em explorações exóticas, mas no cotidiano elevado pela fé. "The supreme adventure is being born", escreveu ele em Heretics, lembrando que o maior milagre é existir no mundo ordinário, com suas rotinas e surpresas. Para Chesterton, se ele escrevesse sobre a manutenção de uma moto, não seria mera técnica, mas um ato de gratidão pelo criado, transformando o mecânico em poeta. 


Chesterton diria que a "Qualidade" de Pirsig é o esplendor do ordinário, sinal de Deus. Sem ela, a estrada vira vazio – mas com ela, cada curva é uma aventura da alma, como ele nota em Orthodoxy: "Man must have just enough faith in himself to have adventures, and just enough doubt of himself to enjoy them" (O homem deve ter fé suficiente em si mesmo para ter aventuras e dúvida suficiente sobre si mesmo para aproveitá-las).


O livro de Pirsig é denso, por vezes até um pouco cansativo, principalmente quando ele se dedica às lembranças de sua vida passada e os conflitos filosóficos que geraram grande sofrimento ao protagonista dessa aventura. Se você é um buscador, como eu, esses momentos de reflexão sobre o passado podem parecer uma desaceleração na jornada no livro.


Mas, sabiamente o autor deixa o passado e retorna à aventura de sua viagem presente, trazendo um alívio para um leitor que pretende continuar a desbravar as rotas e perrengues que o protagonista ainda irá passar em sua viagem por estradas vicinais norte-americanas.


Confesso que, após a leitura do livro, fico imaginando como ele veio a ficar famoso nesse ambiente do motociclismo e aqui vai meu spoiler: definitivamente, a obra não trata da manutenção de motocicletas, e muito menos sobre como adquirir uma paciência de monge tibetano quando sua moto resolve dar problemas.


Porém, em muitos momentos você até pode se ver nas aventuras do protagonista em suas andanças por estradinhas rurais, ainda que esse livro remonte a um período em que as motos eram mais simples, porém, exigiam um conhecimento maior de mecânica, caso você fosse encarar uma aventura de vários dias pela estrada.


É de um tempo em que as viagens de motos não ganhavam o título duvidoso de expedição, em que os equipamentos de segurança eram precários e você não tinha uma Decathlon para adquirir o que há de mais novo e prático em matéria de acampamentos.


Mulher verificando sua moto

Talvez seja isso que torne o livro ainda interessante nos dias de hoje.

Não só a viagem filosófica de Pirsig, mas os pequenos detalhes ordinários de sua aventura de moto numa época nem tão distante em que as coisas eram mais rústicas.


Recomendo: leia Pirsig numa pausa de viagem, com Chesterton (Orthodoxy) e Ratzinger (Introduction to Christianity) como companheiros.

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